quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O Sorriso


O médico estava atrasado. Descobri que a imaginação é a melhor aliada do tédio. Na sala de espera, passava o tempo analisando as expressões das pessoas, vendo os números que surgiam no guichê de senhas. 51, 52, 53. Nomes estranhos eram chamados para consultas. Pobre Olívia Cristina, que castigo teu pai te deste. 54, 55.

Pessoas carecas, provavelmente com câncer, já que a área de quimioterapia era próxima dali. Tão jovens, tão velhas. Homens, mulheres, bigodes, pernas cruzadas, suor, bocejo. Detalhes, detalhes, detalhes. Sorriso? Sorriso, não.

56, 57. Mais vinte minutos. Sorriso? Sorriso, sim. Sorriso loiro, pequeno, de uns três anos de idade. Corria pela sala de espera, enxergava nela uma imensa pracinha. Abraçava o pai, olhava para os próprios pés, perguntava por que estavam lá. Foram embora. Ela foi pra escola, fez amigos, entrou pra aula de dança. Deu o primeiro beijo, tirou a primeira nota baixa, respondeu pra mãe. Namorou pela primeira vez. Namorou de novo. 58. Entrou na faculdade, terminou o namoro. Namorou de novo. Reprovou uma disciplina, arranjou um trabalho. Levou bronca do chefe. Viajou. Terminou a faculdade. Noivou. Abriu uma nova conta no banco, comprou uma casa. Casou. 59, 60, 61. Comeu sorvete na praça, doou sangue, engravidou. Velou o pai. Chorou. Levou a filha na escola, foi numa festa de final de ano, comprou um carro. Sofreu um acidente. Foi na psicóloga. Vendeu o carro. Mudou-se. Velou a mãe. Chorou. Viu o nascimento do primeiro neto. Ficou doente. Descobriu um câncer. Foi pro Hospital.

62, 63, 64, 65, 66, 67. De prancheta na mão, o médico anuncia. O Sorriso foi chamado. E lá foi ele, em toda sua pequenez e graciosidade. De mão dada com o pai, entrou na sessão de quimioterapia. 68.

2 comentários:

Dayana disse...

Nossa, adorei Nat! Ganhou uma leitora! :)

Natália :) disse...

Obrigada, lindona! :D Não tenho tido muito tempo, mas vou procurar manter o blog mais ativo! :)